Observaciones:
Destacarmos a comemoração dos 500 anos da Reforma Protestante leva-nos a recordar a revolução cultural, intelectual e política que dela irrompeu. É indiscutível que a Reforma edifica um dos acontecimentos decisivos na história da Europa e do mundo, tendo influenciado profundamente a perceção teológica, histórica, mental e política da cultura ocidental em geral. O ideário da Reforma teve implicações não apenas religiosas, mas igualmente políticas, sociais, culturais e linguísticas, revestidas de um pendor revolucionário na medida em que a extensão das suas consequências foi vastíssima, patente, por exemplo, na criação da ideia de nação Protestante, nacionalista e, sobretudo, baseada no sistema erastiano (e.g. a Grã-Bretanha). Por outro lado, gerou uma bipolarização no mundo, devido à Contrarreforma, liderada por Espanha e Filipe II, de cariz católico e tradicionalista, embora a ideia inicial fosse também uma transformação da Igreja.
Considerado um dos precursores do Iluminismo e da democracia, Lutero criou os alicerces para o conceito de cidadão responsável. Não descobrindo a liberdade moderna, intensificou a dialética em que a liberdade é reconhecível como um processo ambíguo. Associado ao humanismo, transformou a visão do homem dando maior ênfase à liberdade e responsabilidade do indivíduo, criando uma base para a participação social e política e imputando ao estado a responsibilização na educação escolar. Deixou uma marca profunda na sociedade, dando impulsos importantes no âmbito do ensino, da música, das artes e da língua com a tradução da Bíblia, promovendo assim um fortalecimento do diálogo intercultural para a aproximação das Culturas.
Terá sido, como sublinha Timothy Garton Ash, criador deste neologismo (Herspring, 1994), uma Refolução, isto é, um processo de alteração política, social e económica que combina simultaneamente elementos da reforma, ou modificações estruturais, e elementos da revolução. Em vez de destruir totalmente os antigos sistemas, os novos sistemas políticos democráticos baseiam-se naqueles não só em termos de estrutura, como de pessoas. Este autor pretendia referir-se à Europa de Leste, nomeadamente Polónia, República Checa, Eslováquia e Hungria. Posteriormente, o neologismo passou a ser igualmente aplicado às primaveras árabes (cf. Keane, 2011). Esta amálgama acaba por ser “uma recusa radical da escolha entre revolução e reforma”, termos estes que se podem apresentar como particularmente sensíveis em determinadas culturas, devido à violência que ocorreu nas respetivas histórias nacionais e/ou locais. A palavra cunhada pretende afastar-se da violência inerente às revoluções, uma vez que as primaveras árabes, neste caso, se distinguiram pela recusa de os intervenientes enveredarem por reações violentas, típicas da lógica revolucionária. Outros aspetos distintivos residem na atenção colocada à civilidade, ou seja, no significado estratégico que a construção e defesa do espaço público implicam, manifesta, por exemplo, na integração de várias crenças religiosas no mesmo espaço, entre outros.
A Reforma Luterana, começando por representar um grito de protesto contra os abusos da Igreja católica, acabou por ter implicações revolucionárias em todas as áreas da vida humana que não apenas no campo religioso. Na senda da defesa contínua da liberdade humana e da proteção dos direitos fundamentais da humanidade, estes movimentos reformistas, com pendor revolucionário, têm a missão de renovar conceitos, ideias e valores que (refutam e) se impõem a paradigmas existentes. Desde 1517 a 2017, o mundo viu-se confrontando com alterações substanciais que moldaram o mundo, de Ocidente a Oriente. A sucessão de diferentes paradigmas ao longo dos tempos convocou em lugares e momentos distintos valores e ideias, cujo poder mobiliza culturas e gera conquistas ou fracassos.